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Em crise há mais de 40 dias, empresas do Piauí reclamam de demora na liberação de crédito

Burocracia e lentidão na análise do cadastro causam apreensão em negócios afetados pela pandemia

 
 
Carlos Neiva recorreu a três empréstimos para compensar a queda de 50% no faturamento (Foto: divulgação)

 Carlos Neiva recorreu a três empréstimos para compensar a queda de 50% no faturamento (Foto: divulgação)

 
 

Desde o dia 23 de março, quando um decreto estadual interrompeu de forma abrupta a maioria das atividades econômicas do Piauí para evitar o avanço da pandemia do novo coronavírus, empresários piauienses ficaram apreensivos. Sem capital de giro, muitos precisaram recorrer a operações de crédito para não fechar as portas. Porém, mais de 40 dias após o início da crise, somente agora alguns empréstimos começam a ser liberado para alguns, enquanto outros ainda aguardam a análise dos bancos.

 

Para os empresários, o Ministério da Economia demorou a agir. “O governo deveria ter se preocupado com isso logo no início. Mesmo com um ótimo relacionamento com as instituições financeiras, os recursos só estarão sendo liberados agora, após mais de um mês de pandemia”, reclama Carlos Vinícius Neiva de Oliveira, dono da fábrica Vip Papéis, que continua funcionando porque produz itens essenciais, como papel higiênico, toalha e lençol hospitalar.

 

Ainda assim, a crise afetou a fábrica. O faturamento caiu 50%, o que levou a Neiva recorrer, ainda em março, a um pequeno empréstimo no Banco do Brasil, com juros de mercado (em torno de 1% ao mês), para obrigações de curtíssimo prazo. “Recorri a crédito de capital de giro convencional para conseguir me segurar no início, pois percebi que as recomendações do governo federal estavam esbarrando nos bancos e a linha de crédito emergencial não chegava nunca. Fiz isso porque a incerteza era muito grande. Também ficamos com medo dos bancos aumentarem os juros ou cortarem as linhas de crédito existentes à época”, conta o empresário.

 

Após usar o financiamento do BB, Neiva recorreu a um segundo empréstimo, como complemento para o capital de giro, dessa vez no Banco do Nordeste, em um valor maior e juros bem menores (2,5% ao ano). Na última segunda-feira, 10, Neiva conseguiu o crédito, mas reclama que o valor só foi liberado após mais de um mês do início da crise. “Houve muito boa vontade da gerente, sempre prestativa, mas esbarrava em burocracias do banco. As linhas especiais (com juros bem menores e mais facilidades) só começaram a desemperrar agora. Para o empresário que não tinha o cadastro atualizado antes da pandemia, ou não tinha o contato pessoal com o gerente, deve estar muito difícil. O problema são os benefícios chegarem na ponta”, lamenta.

 

Mesmo com dois empréstimos, Neiva vai recorrer a uma terceira linha de crédito com o banco Santander e juros 3,75% ano. O recurso será usado para a folha de pagamento, que já foi reduzida, pois ele negociou o contrato de trabalho com os funcionários, diminuindo em 50% a carga horária. “O fator complicador aí para esse tipo de linha é que o convênio de folha de pagamento deveria estar ativo, mas demos sorte por já termos esse convênio”, ressalta.

 

Carlos Neiva admite que os créditos não eram a única saída para evitar fechar as portas. Caso não tivesse êxito nos empréstimos, ele negociaria as dívidas com fornecedores, mas “isso de uma forma ou de outra atrapalha o relacionamento”. Agora com três empréstimos para quitar, o empresário espera uma melhoria do mercado em junho. “Se a crise não passar de maio, aí só Deus”, finaliza.

 

“Houve uma letargia do governo federal”, lamenta empresário

Outro empresário, Fernando Oliveira, ainda não obteve crédito porque estava esperando o governo liberar as linhas com juros menores. Ele fez o cadastro no Banco do Nordeste há 15 dias. “O que aconteceu na verdade foi uma letargia enorme do governo federal. Anunciaram há várias semanas facilidades e menos burocracia, mas somente na terça-feira (dia 28 de abril) começou realmente a circulação de algo mais concreto”, reclama Oliveira, sobre as linhas de crédito com juros especiais.

 

Oliveira é sócio da Adventure e Brinquedos, que aluga brinquedos para shoppings centers e atende vários estados do Nordeste. Ele teve que recorrer ao crédito porque seus negócios estão   parados, e vai precisar de recursos para transportar os brinquedos de uma cidade para outra, quando a economia retornar. Senão conseguir o financiamento, Oliveira se recursa a fecha as portas. Caso seja necessário, ele e os sócios buscarão recursos próprios.

 

 

Destinada ao público infantil, a Adventure está parada e sem faturar (Foto: divulgação)

 

Preocupado, o empresário prevê que somente em setembro, no mínimo, a Adventure e Brinquedos voltará à atividade, já que trabalha com o público infantil. “Infelizmente, este ano está praticamente perdido. No início do ano, eu pensei que a economia do Brasil fosse decolar”, lamenta.

 

“A pior crise que estamos vivendo”

Lucídio da Costa Silva, um dos sócios da Velocargas, também só recorreu ao crédito para o capital do giro do Banco do Nordeste na primeira semana de maio, quando o governo facilitou o processo. Mas ele reclama da alta burocracia das operações financeiras. “O governo demorou e continua demorando bastante a agir, já que tinha uma visão de como os outros países vinham se comportando com esta crise”, frisa.

 

Sua empresa registrou queda de 50% no faturamento, e ele está apreensivo porque, caso não tenha êxito em conseguir o crédito, terá que negociar descontos nos boletos dos fornecedores. “É a pior crise que estamos vivendo. Antes da pandemia os negócios estavam muito bem”, finaliza.

 

Queda de 90% nas vendas

Itamar Filho, dono de uma gráfica, apesar de registar uma queda de 90% no faturamento, ainda não recorreu a nenhuma linha de crédito. O motivo é que, segundo ele, o que os bancos estão anunciando não condiz com a realidade. “Mesmo com anúncios por parte do governo federal de linhas emergenciais para pequenas e médias empresas, o que se viu na pratica foi o oposto. O Ministério da Economia nos dava esperança, porém os bancos nos informavam algo totalmente diferente, alegando que tais linhas não estavam disponíveis”, revela.

 

Itamar Filho aguarda melhores condições para encarar um empréstimo: queda de 90% nas vendas (Foto: divulgação)

 

Itamar aponta que isso é um grande erro do governo, pois a maioria dos empregos do Brasil se concentram nas micro, pequenas e médias empresas. “Se não houver uma ajuda desburocratizada de capital de giro, infelizmente vamos ver um cenário econômico desastroso no nosso Estado e País”, prevê.

 

A esperança do empresário é que o presidente da República Jair Bolsonaro sancione o Projeto de Lei 1.282/2020, já aprovado pelo Congresso Nacional, que concede uma linha de crédito especial para micros e pequenas empresas mesmo que tenham alguma restrição de crédito e outras exigências comuns operações deste tipo.

 

A fábrica de Itamar possui 16 anos de mercado e fez, há um ano e três meses, um investimento na aquisição de impressora alemã offset de cinco cores. Por isso, caso não consiga crédito, pretende reduzir a equipe ou se desfazer de parte de seu patrimônio. “Já enfrentamos outras crises, mas esta é a mais desafiadora. Nossas vendas caíram entre 85% e 90%”, lamenta.

 

O Piauí Negócios procurou o Banco do Nordeste para a instituição falar sobre a demora na aprovação do crédito e para informar quantos empresários no Piauí já haviam conseguido obter empréstimos desde o início da pandemia. No entanto, até a publicação desta reportagem, o banco ainda não havia respondido ao questionamento.

 

Economista defende mais prazo e recursos para empresas

O economista piauiense Márcio Braz, ex-professor da Universidade Federal do Piauí e mestre em Ciência Política, afirma que, apesar do crédito liberado pela União ser bem-vindo, ele precisa ser melhorado. “O limite para capital de giro a ser liberado e os prazos de pagamento precisam ser ampliados, isso por que, com o giro corroído pela paralisação das atividades econômicas, as empresas retomarão suas atividades com um nível muito baixo de utilização da capacidade de produção já instalada. A medida proposta pelo economista possibilitaria o retorno mais rápido aos níveis normais de produção.

 

O economista Márcio Braz defende mudanças na política de financiamento (Foto: divulgação)

 

Márcio explica ainda que a burocracia reclamada pelos empresários não é culpa dos bancos, mas sim das regras do sistema financeiro do Brasil. Diz que as linhas de crédito existentes obedecem a critérios bastante rígidos estabelecidos pelo Sistema Financeiro Nacional, o que faz com que a implementação de algumas mudanças nem sempre dependam dos bancos e sim de aprovação pelo Banco Central, pelo Conselho Monetário Nacional ou mesmo de mudanças na legislação, o que implica em aprovação pelo Congresso.

 

“Precisamos antecipar a discussão sobre alguns problemas que sabemos que virão depois do combate à pandemia, como no caso das mudanças necessárias na política de financiamento de capital de giro para as empresas. É a única forma de reduzirmos a intensidade e o tempo de duração desses problemas”, diz ele.

 

58% dos pequenos negócios do Piauí precisam de crédito, revela pesquisa

A situação dos empresários ouvidos nesta reportagem é semelhante a da maioria dos colegas. Segundo uma pesquisa realizada pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, Sebrae Nacional, no início de abril, 58% dos micros e pequenos negócios do Piauí precisarão de financiamento para sobreviverem.

 

De acordo com o levantamento, 34% dos entrevistados já buscaram algum tipo de financiamento, mas 55% destes tiveram seus pedidos negados. O percentual de empresas do Estado que obtiveram crédito e as que ainda estão aguardando resposta são iguais, ficando em torno 22,5%.

 

 

“O crédito ainda é um dos maiores gargalos na gestão de um pequeno negócio. E nesse período de pandemia é um fator que pesa ainda mais, quando se considera que muitos estabelecimentos estão fechados, sem faturamento, e precisam de capital de giro para honrar os compromissos com fornecedores e colaboradores”, afirma o diretor superintendente do Sebrae no Piauí, Mário Lacerda.

 

O estudo “O Impacto da Pandemia do Coronavírus nos Pequenos Negócios”, realizado entre os dias 03 e 07 de abril com 44 donos de pequenos negócios, considera informações desde quando iniciou a crise do Coronavírus.

 

Confira abaixo as ações implementadas pelo sistema financeiro para auxiliar empresas na pandemia

 

Piauí Fomento, BB, CEF e BNB: conheça as linhas de crédito para empresas

Senado aprova lei que permite crédito a empresas com restrições financeiras

Caixa oferece crédito às empresas, com carência de até um ano

Banco do Nordeste lança crédito emergencial para empresas com juros de 2,5% ao ano

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