Indústria
Energias renováveis
PIB de municípios pobres do Piauí sobe até 615% após chegada de usinas de energias renováveis
Além de movimentar a economia local, parques eólicos e solares também elevaram a arrecadação dos cofres municipais em até 1.612%
Robert Pedrosa e João Victor Peixe - redacao@pinegocios.com.br
Historicamente, os municípios menos populosos do sertão do Piauí sempre estiveram na lanterna do desenvolvimento econômico do estado. Com um pequeno mercado consumidor, economia voltada para agricultura de subsistência e forte dependência de repasses do Fundo de Participação dos Municípios, esses municípios dificilmente atraem grandes indústrias.
No entanto, o clima semiárido do sertão com altos índices de insolação e que por séculos foi um desafio para os nordestinos por sua ligação à escassez da água, tem sido justamente – junto com os ventos – o que tem levado grandes empresas nacionais e estrangeiras a instalarem gigantescos parques de energia solar e eólica na zona rural desses municípios.
Nos últimos dez anos, municípios com os piores indicadores socioeconômicos do Piauí têm recebido esses complexos, o que impulsionou a economia local, levando renda, emprego e influenciando, inclusive, o surgimento de outras empresas.
São números que impressionam. Caldeirão Grande, município de apenas 5 mil habitantes no extremo sudeste do Piauí, viu sua economia disparar após a instalação das primeiras usinas eólicas em 2015 e 2016. O produto interno bruto (PIB) da cidade passou de R$ 27,2 milhões em 2011 para R$ 195 milhões em 2021, um crescimento de 615% no período. Isso levou a cidade a saltar de 141º lugar para 47º no ranking dos maiores PIBs do Piauí, passando à frente de 94 municípios.
Na mesma década tiveram desempenhos surpreendentes outros quatro municípios com usinas de energia solar ou eólica analisados pelo Piauí Negócios, com base em seus PIBs oficiais divulgados pelo IBGE. As maiores altas foram em Simões (609%) Marcolândia (500%), João Costa (368%) e São João do Piauí (196%) (veja gráficos ao longo desta matéria).
O benefício econômico da chegada das usinas é ainda maior quando comparamos o crescimento da economia desses municípios com cidades vizinhas. Padre Marcos, a apenas 49 km de Caldeirão Grande e na mesma região (Território Chapada Vale do Rio Itaim), cresceu 132% no mesmo período, quatro vezes menos. O mesmo ocorreu com outro município próximo de Caldeirão, como Alegrete, que cresceu 110%. Madeiro, que tinha um PIB de R$ 27,2 milhões em 2011, maior do que o Caldeirão na época, subiu 170%, alcançando R$ 75,1 milhões uma década depois.
Entenda por que o Piauí Negócios escolheu década de 2010 a 2021 para fazer a comparação
A escolha dos anos de 2011 e 2021, em alguns casos, e de 2013 e 2021 em outros, para comparação do PIB se deu porque o Piauí Negócios queria analisar o impacto das usinas de energia a partir das obras de construção dos empreendimentos, que geralmente acontece de dois a quatro anos antes do início do funcionamento.
Durante a construção dos parques, a influência na economia dos municípios é maior, devido à grande quantidade de empregos gerados, aumento do consumo de alimentação e necessidade hospedagem para técnicos de fora dos municípios. Essa bonança, no entanto, termina após a conclusão das obras.
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Assim, nas cidades em que os parques entraram em funcionamento em 2015, o Piauí Negócios começou a contar o PIB e a arrecadação de impostos quatro anos antes – em 2011 - e concluiu sua pesquisa usando o PIB mais recente divulgado (2021). Já nos municípios em que as usinas entraram em operação em 2017, a contagem começou em 2013, também quatro anos antes, e concluída em 2021, já que os PIBs de 2022 só serão divulgados no fim de 2024. O Piauí Negócios não analisou os impactos econômicos nos municípios que tiveram usinas instaladas a partir de 2018.
13 dos 17 municípios do Piauí com usinas tinham baixo IDH-M ao receberem as indústrias
Segundo a Investe Piauí, agência de atração de investimentos do Governo do Estado, o Piauí tem em operação 178 empreendimentos eólicos e/ou solares localizados em 17 municípios. Desses, 13 deles tinham em 2011 baixo índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M), indicador usado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para analisar a qualidade de vida da população (veja gráfico mais abaixo).
Esses municípios são atraentes para os parques eólicos e solares porque, além do sol e vento, possuem muitas áreas rurais, já que o núcleo urbano é pequeno, na comparação com cidades mais populosas. Quanto mais pobre e menor o município, maior o impacto da chegada das usinas.
Nessas cidades pequenas e de economia fragilizada, grande parte da renda da população vem de agricultura de subsistência, de emprego público ou informalidade. Assim, a demanda de mão de obra após a chegada de usina traz benefício, com emprego de maior salário de com carteira assinada.
“A remuneração é maior e isso acontece em uma região muito deprimida do ponto de vista econômico. Isso garante mais segurança às pessoas que trabalham nesse ramo, nessa atividade”, afirma Antônio Claret, doutor em ciência política e consultor do Pnud.
Claret cita, por exemplo, o município de Ribeira do Piauí, que teve o parque solar Nova Olinda inaugurado em 2017 pela empresa CGN Brazil Energy. Com pouco mais de 4 mil habitantes, o município tinha, em junho deste ano, 2.736 pessoas beneficiadas com o Bolsa Família, o que demonstra a dependência programas de transferência de renda.
“Nós temos um cenário em que a economia nesses municípios é bastante informal, com poucos empresas e baixa circulação de recursos. A chegada desses grandes empreendimentos, então, pode fazer uma diferença muito grande para que esses municípios experimentem a geração de emprego e diretos, indiretos e também o aumento da renda”, frisa Claret.
Jaqueline Gonçalves, 30 anos, é uma das beneficiadas com a chegada das usinas. Sem muitas oportunidades de emprego formal, ela morava no povoado Monte Santo, a 70 km do município de Simões, quando, em 2018, foi tirar férias de uma colega como auxiliar de serviços gerais no parque eólico Ventos do Araripe, da Auren Energia, que se estende entre Simões e Araripina (PE).
O que era para ser algo temporário durou cerca de dois anos, pois Jaqueline acabou sendo contratada. Nesse período, ela se interessou pela área de manutenção da usina. Sem qualificação para atuar nessa profissão, decidiu então fazer um curso técnico em eletrotécnica em Araripina. Quando concluiu os estudos, conseguiu estágio na mesma empresa. Seis meses antes do fim do contrato de estágio, foi efetivada como funcionária, mas desta vez como técnica de operação e manutenção.
Hoje, Jaqueline atende quatro parques da empresa: além do Ventos do Araripe 3, ela também faz a manutenção dos complexos Ventos do Piauí 1, localizado em Curral Novo do Piauí, Ventos do Piauí 2 (Paulistana, Curral Novo do Piauí e Betânia do Piauí) e Ventos do Piauí 3 (Curral Novo do Piauí, Araripina e Ouricuri, em Pernamubo).
Ela conta que a chegada da empresa trouxe muitas oportunidades para sua vida, permitindo mais qualidade de vida, emprego e renda. “A informalidade era grande em Simões, tanto que eu precisei trabalhar cinco anos em Araripina como auxiliar de serviços gerais em supermercado de lá, devido à falta de oportunidades na minha cidade natal”, afirma a técnica.
Alta demanda em Dom Inocêncio levou empresário a construir duas pousadas
Em Dom Inocêncio, município que recebeu o complexo eólico Lagoa dos Ventos, da empresa Enel Green Power em 2021, um dos que aproveitou a oportunidade com o impacto da indústria foi o morador Otávio Almeida. Ele construiu duas pousadas devido à falta de leitos suficientes na cidade para hospedar os funcionários que chegaram durante a época da construção do parque.
“A cidade não tinha estrutura para receber o fluxo de pessoas que veio. Primeiro, fizemos uma pousada com dez quartos. Mas a demanda era tão grande que construímos outra, com onze apartamentos”, lembra.
Apesar do número de visitantes ter diminuído após o término das obras, o investimento valeu a pena, pois o município agora tem um bom movimento de pessoas. “Sempre tem gente, pois recebemos pessoas que ainda trabalham nos parques, principalmente no setor de manutenção. Quando vêm fazer um serviço, eles precisam de hospedagem”, diz Otávio Almeida.
Além da geração de empregos e melhoria na arrecadação de impostos, a instalação das usinas melhora a infraestrutura de energia elétrica e isso estimula a chegada de novas indústrias. “Uma vez que a infraestrutura de energia é aprimorada, a gente tem um chamariz para outras empresas que são intensivas em energia elétrica para que elas se instalem também nessas localidades”, afirma Antônio Claret, consultor do Pnud.
“Para os próximos anos, há uma chance muito grande de que nós tenhamos também outras indústrias sendo instaladas próximas dessa geração de energia elétrica para aproveitar esse benefício”, analisa Claret.
Parques são instalados em áreas subaproveitadas
Uma análise da Investe Piauí, agência de atração de investimentos do Governo do Estado, enumerou os benefícios da instalação dos parques de energia. Entre eles contratação de empresas da região para limpeza dos painéis solares, melhoria na infraestrutura local, como estradas, redes elétricas e telecomunicações e valorização imobiliária (veja gráfico).
Outro ganho dos parques para os municípios é o arrendamento de terrenos, quase todos de pequenos agricultores. “De uma maneira geral, nos locais que normalmente os projetos chegam, os terrenos são subaproveitados”, afirma Ricardo Castelo, vice-presidente de Energias Renováveis da Investe Piauí, agência de atração de investimentos do Governo do Estado.
Castelo acrescenta que o desenvolvimento dos projetos são muito direcionados para a região em que há um índice de desenvolvimento mais básico, como a região da caatinga, onde também estão os melhores índices de produção de energia solar e eólica.
“Aumenta os negócios, o PIB, a estrutura para a hospedagem, para a alimentação, eles melhoraram em cada um dos locais. E essa impacto positivo também ao longo do tempo”, finaliza o vice-presidente.
Arrecadação de impostos em Marcolândia dispara e cresce 1.612%
Outro reflexo do impulsionamento econômico dos parques de energia é na arrecadação de impostos municipais. Com grande dependência de repasses constitucionais, como Fundo de Participação dos Municípios (FPM), as prefeituras locais viram seus cofres turbinarem com a chegada dos parques.
Em Marcolândia, que recebeu o Complexo Eólico Chapada do Piauí I em 2015, da ContourGlobal e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), o crescimento da arrecadação de impostos municipais foi de 1.612% entre 2011 e 2021, passando de apenas R$ 146,1 mil para R$ 2,5 milhões por ano. O mesmo impacto ocorreu em cidades com Curral Novo, cuja arrecadação subiu 790% no período, assim como João Costa (688%) e Caldeirão Grande (584%). Veja os gráficos abaixo.
O prefeito de Caldeirão Grande, Filipe Gonçalves, diz que a chegada das usinas melhorou significativamente a vida da cidade e de todo o município, que passou a arrecadar impostos sobre elas, tanto ICMS quanto ISS. “Trouxe desenvolvimento, emprego, receita, e isso ajuda o município a se desenvolver. Além disso, a construção das usinas, que durou cerca de um ano, criou empregos temporários e algumas vagas permanentes para a manutenção dos parques”, afirma o gestor.
Caldeirão Grande é um dos municípios que mais têm parques de energia. São ao todo cinco empreendimentos, sendo quatro de energia eólica e um de solar.
Laércio Oliveira, secretário de Finanças de João Costa, município de menos de 3 mil habitantes, destaca que a arrecadação dos tributos pagos pela usina ajuda muito para geração de receita própria. “Para municípios pequenos como o nosso, que dependem de recursos estaduais e federais, isso é muito importante. Durante as construções do parque e no início das operações, a movimentação financeira atingiu milhões, e esses recursos deram uma boa movimentada na economia local e melhoraram bastante a cidade”, frisa.
Economista defende políticas públicas para melhor distribuir riqueza gerada pelas usinas
O economista piauiense Fernando Galvão explica que o impacto das usinas é muito grande principalmente na atividade industrial, praticamente inexistente nesses municípios. Ele citou que o valor adicionado bruto (VAB) da indústria, entre 2020 e 2021, disparou nessas cidades, devido principalmente à atividade de geração e transmissão de energia eólica. É o caso de Ilha Grande, cujo VAB cresceu 845% no período, assim como Queimada Nova (577%), Dom Inocêncio (205%), Simões (101%) e Lagoa do Barro (88%).
Galvão alerta, porém, que é preciso a implantação de políticas públicas que permitam uma melhor distribuição de renda, evitando a concentração da riqueza para poucos. “A concentração econômica local e o custo de vida com elevação de preços de produtos e serviços, especulação imobiliária, por exemplo, afetam diretamente a capacidade de enfrentamento à pobreza nesses municípios. Medidas eficazes devem considerar esses fatores para promover uma distribuição mais equitativa de recursos e melhorar a qualidade de vida da população”, explica o economista.
Fernando Galvão defende ainda que haja uma maior qualificação dos moradores locais para que possam ser contratados pelas empresas após o término da construção dos parques. “Passada a fase inicial, o que se percebe é que na operação diária e manutenção das usinas, a demanda por trabalho é mais especializada e de pessoas que vêm de fora”, frisa.
Investimentos em complexos solares atingem quase R$ 60 bilhões desde 2012
Segundo a Associação Brasileira de Energia fotovoltaica (Aboslar), o setor fotovoltaico no Brasil ultrapassou em maio deste ano 43 gigawatts (GW) de potência instalada, somando as grandes usinas solares e os sistemas de geração própria de energia em telhados, fachadas e solo. Atualmente, a participação da fonte solar equivale a 18,2% da matriz elétrica brasileira.
As grandes usinas solares possuem mais de 13,8 GW de potência no País, com cerca de R$ 58,9 bilhões em investimentos acumulados e mais de 414 mil empregos verdes gerados desde 2012.
“O crescimento exponencial da energia solar reflete a popularização e a grande atratividade da tecnologia fotovoltaica no Brasil, tanto para os consumidores em suas residências, empresas e propriedades rurais quanto para a expansão do Sistema Interligado Nacional com as usinas de maior porte”, comenta Ronaldo Koloszuk, presidente do Conselho de Administração da Absolar.
O Piauí é o terceiro estado do Brasil com maior potência instalada em operação de energia solar centralizada (usinas), com mais de 1 GW.
PIB de municípios com parques eólicos cresce 21% a mais do que os demais
Um estudo realizado pela GO Associados e publicada pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) em novembro de 2020 fez uma análise dos impactos das usinas nos municípios onde são instaladas. A pesquisa, chamada “Impactos Socioeconômicos e Ambientais da Geração de Energia Eólica no Brasil”, analisou dados de todos os lugares que receberam usinas eólicas no Brasil entre 2011 e 2019.
O trabalho mostrou que o PIB nos municípios com parques eólicos tiveram uma performance 21,15% melhor do que os que não têm. O estudo também faz um balanço dos efeitos multiplicadores dos investimentos realizados pelas empresas do setor eólico, por meio da metodologia de MIP – matriz insumo-produto, que mostra como um investimento se desdobra chegando a outras indústrias e impactando outros serviços.
De 2011 a 2019, os investimentos na indústria eólica tiveram potencial de expandir a produção das Regiões Nordeste e Sul do país (valor agregado) na ordem de R$ 262 bilhões, gerando mais de 498 mil empregos por ano, em média e R$ 45,2 bilhões em massa salarial. Estes valores são uma somatória dos chamados efeitos multiplicadores: diretos, indiretos e massa salarial.
O estudo também estimou os efeitos multiplicadores do pagamento de arrendamento. Em 2018, o estudo estimou um valor de R$ 165,5 milhões de pagamento em arrendamentos, com potencial de ter levado a uma expansão da produção das Regiões Nordeste e Sul (valor agregado) da ordem de R$ 524,6 milhões, gerando mais de 8 mil empregos e R$ 43,2 milhões em massa salarial.
Banco do Nordeste investiu R$ 4,8 bilhões em energias renováveis no Piauí
Principal banco de desenvolvimento regional na América Latina, que atua principalmente para incentivar a economia do Nordeste, o Banco do Nordeste (BNB) investiu, de 2017 a 2023, R$ 4,8 bilhões em projetos de energia solar e eólica no Piauí, por meio dos programas FNE Sol e FNE Infra.
Ricardo Soares, gerente em exercício do Escritório de Suporte à Superintendência do BNB no Piauí, destacou que os investimentos nos grandes parques de energia eólica e solar, afetam a cadeia produtiva como um todo, nos municípios. “Impactam desde a cadeia que produz os equipamentos que vão ser financiados para a obra em si de infraestrutura, como demandam uma logística muito grande para que sejam instalados lá. E o banco entra também com recurso financiando todo esse custo para a empresa que faz o empréstimo”, explicou Soares.
(Colaborou Emelly Caroline Alves)
CORREÇÃO: Esta reportagem foi alterada no dia 06 de agosto de 2024, para correção dos dados. O Piauí tem 178 empreendimentos de energia solar e eólica em operação, e não 22 como havíamos informado anteriormente.
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